O electroglotógrafo ou electrolaringografia é um aparelho que gera uma pequena corrente eléctrica de alta frequência que passa entre dois eléctrodos colocados externamente à volta da cartilagem tireóide por meio de uma banda ajustável (ver Figura 1). Mede, de forma não invasiva, os padrões de contacto das pregas vocais (Baken, 1992; Gilbert, Potter & Hoodin, 1984; Abberton, Howard & Fourcin, 1989). O contacto das pregas vocais é monitorizado através da medição das diferenças neste fluxo de corrente (Howard, 1995). Este instrumento foi desenvolvido com base no facto de os tecidos orgânicos tenderem a ser bons condutores de electricidade (Baken, 1992).
A interpretação das formas de onda electroglotográficas dá-nos uma visão indirecta das complexas vibrações tridimensionais das pregas vocais (Fourcin, 2000); permite-nos compreender que os movimentos de abertura e fecho dos segmentos superior e inferior das pregas vocais normais são regulares, correlacionados, quase periódicos e independentes entre si. Além disso, as pregas vocais não costumam abrir e fechar simultaneamente no plano horizontal, mas apresentam um movimento semelhante a um fecho de correr (Baken & Orlikoff, 2000).
A corrente eléctrica entre os dois eléctrodos, medida em função do tempo, é convertida numa tensão que varia proporcionalmente à área de contacto (ver Figura 2). Apresenta uma variação positiva no eixo vertical quando a corrente eléctrica aumenta em consequência do contacto das pregas vocais, ou seja, quando as pregas vocais estão em contacto o sinal é maior do que quando estão separadas (Abberton, Howard & Fourcin, 1989). A forma de onda é quase periódica, pois as pregas vocais juntam-se e separam-se muitas vezes por segundo (Gilbert, Potter & Hoodin, 1984).
As ondas electroglotográficas podem ser caracterizadas por vários parâmetros, o mais conhecido dos quais é o quociente de contacto. Como se pode ver na Figura 2, a parte de contacto do ciclo vibratório pode ser quantificada como quociente de contacto (CQ) e a parte sem contacto como quociente de abertura (OQ). Dependendo do software, podem ser obtidos quocientes de contacto e de abertura diferentes a partir do mesmo par de pregas vocais que vibram nas mesmas condições de vibração. Isso ocorre porque a maioria dos softwares de análise de formas de onda electroglotográficas aplica critérios diferentes para definir onde começa o contacto (Herbst & Tersntröm, 2009; Lã & Sundberg, 2015; Herbst, 2020). O critério mostrado na Figura 2 é definido em 3/7 do pico máximo como o início do contacto das pregas vocais (Lã, 2012).
Programas mais modernos, como o Wavegrams (de Christian T. Herbst) ou o FonaDyn (de Sten Ternström), calculam a relação de contacto sem necessidade de definir um critério de início de contacto. No primeiro caso (ver Figura 3), depois de normalizar as ondas electroglotográficas consecutivas, estas são transformadas em informação monocromática e representadas em tiras horizontais que são depois rodadas 90 ̊no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio e apresentadas graficamente formando o Wavegram. Esta visualização é particularmente interessante para mostrar mudanças súbitas no padrão vibratório das pregas vocais, tais como interrupções durante as mudanças de registo.
O FonaDyn também não aplica critérios para definir a relação de contacto, sendo considerada como tal toda a área sob a forma de onda (ver Figura 4). O FonaDyn permite o estudo de diferentes formas de onda electroglotográfica em diferentes frequências fundamentais e níveis sonoros, produzindo assim conjuntos ricos de dados de diferentes formas de onda representadas em conjunto ao longo de toda a gama vocal (Ternström, Johansson & Selamtzis, 2018).
É uma ferramenta útil para a investigação da voz, uma vez que permite não só a comparação de várias medidas dentro da mesma voz e entre diferentes vozes, mas também dos efeitos de uma determinada abordagem na habilitação e reabilitação da voz (Lã & Ternström, 2020). Poderá ler mais sobre o FonaDyn e o mapeamento da voz para medição e exploração da voz no separador “Mapas vocais”.
A visualização em tempo real da forma de onda electroglotográfica e as diferentes formas de onda electroglotográfica produzidas constituem uma excelente forma de feedback para utilização em aulas de educação vocal (Herbst, Howard & Schlömicher-Their, 2010; Lã, 2012).
Independentemente da ferramenta utilizada para visualizar a forma de onda electroglotográfica, a vantagem é que se trata de uma técnica não invasiva de avaliação indirecta do padrão de contacto das pregas vocais. Normalmente, os métodos directos requerem técnicas invasivas, como a inserção de um laringoscópio rígido ou flexível. A análise da forma de onda electroglotográfica permite obter medidas da área de contacto das pregas vocais, da regularidade do padrão de vibração das pregas vocais e medidas precisas da frequência fundamental (fo) (Baken, 1992; Howard, 1995). O sinal electroglotográfico, que é um sinal electromecânico e não acústico, fornece informações indirectas sobre as diferentes activações que determinam a qualidade da voz produzida. Quando uma voz é “normal” ou “modal” (Figura 5, painel inferior), a forma de onda tem uma fase de fecho rápida e uma fase de abertura mais lenta, o que está geralmente associado a uma boa activação acústica do tracto vocal para um tom bem definido. Durante uma voz em falsete (Figura 5, painel superior), as pregas vocais estão esticadas e finas, e vibram em frequências fundamentais mais altas. Apenas uma parte dos bordos superiores das pregas vocais está em contacto, pelo que a quantidade de massa vibratória e a sua amplitude são menores. A forma de onda mostra que as fases de abertura e fecho são mais semelhantes, pelo que a forma de onda é mais simples e sinusoidal (Fourcin, 2000).
Durante o “vocal fry”, as pregas vocais ficam espessas e soltas e há uma taxa de fluxo de ar menor. A forma de onda mostra um fecho rápido e uma abertura extremamente lenta. Não há ciclos regulares porque há alterações na duração e amplitude dos ciclos (Abberton & Fourcin, 1984; Howard, 1998). Uma voz “áspera” apresenta uma fase de abertura mais curta e um contacto menos dinâmico com a superfície das pregas vocais (Howard, 1998). A voz “sussurrada” envolve o estreitamento da glote, mas não há vibração vocal, pelo que a forma de onda não é observável. Durante a voz “pressionada”, apenas a superfície anterior medial vibra (Scherer, 1995) (Figura 6, painel da esquerda) e tem uma forma de onda mais curta em comparação com uma voz “fluida” (Figura 6, painel do meio). Neste último caso, podemos observar o fluxo de ar máximo com o fecho glótico completo (Sundberg, 1987; Gauffin & Sundberg, 1989), indicando um maior contacto dinâmico da superfície das pregas vocais. Uma voz “com ar” (Figura 6, painel da direita) apresenta picos altos na forma de onda que correspondem a uma maior área de contacto das pregas vocais; no entanto, como a glote está aberta durante um período mais longo do que numa voz “normal”, o comprimento de base da forma de onda Lx é maior (Baken, 1987). Edemas, nódulos, pólipos e outras alterações são também observáveis através da análise dos resultados electroglotográficos (Altuzarra & Martin, 1996). Por exemplo, pólipos e nódulos causam um segmento plano mais longo da borda ascendente, pois essas anomalias das pregas podem aumentar ou manter a fase de fecho do ciclo vibratório por um período mais longo de tempo (Childers et al., 1986).
Embora a electroglotografia seja útil para o estudo de vozes normais e patológicas, ela apresenta algumas limitações. Por exemplo, a área máxima de contacto não deve ser considerada como o fecho glótico máximo, uma vez que o fecho glótico pode não ocorrer quando há contacto das margens superiores das pregas vocais (Baken, 1992). O fluxo de ar é medido através do filtro inverso, e a forma de onda será o resultado da quantidade de ar que passa pelas pregas vocais quando estas estão abertas. Quando a glote está completamente fechada, o ar não sai da glote e o tempo relativo em que tal ocorre, por ciclo, é o que chamamos de quociente de fecho. Portanto, o quociente de contacto e o quociente de fecho, embora relacionadas, são medidas diferentes. Como pode ser observado na Figura 7, o fluxo de ar transglótico inicia-se antes do término do contacto das pregas vocais, o que é confirmado pela derivada da onda eletroglotográfica.
Por outro lado, a amplitude da onda electroglotográfica não pode ser directamente correlacionada com a intensidade vocal, e há algumas conclusões sobre determinadas características específicas das vibrações das pregas vocais que não se podem tirar (Baken, 1992). Além disso, a forma de onda não permite interpretações sobre o espessamento ou movimento das pregas vocais durante a fase de abertura do ciclo glótico. Neste caso, a EGG complementa a endoscopia, fornecendo informações sobre o que está a acontecer enquanto a glote, vista de cima, parece estar fechada. Deve-se notar também que um electroglotograma legível é difícil de ser obtido em laringes pequenas ou em pescoços grandes que são circundados por tecido adiposo, porque o tecido adiposo é um mau condutor de electricidade (Howard, 1988; Baken, 1987; Laver, Hiller & Beck, 1992). A corrente eléctrica não é só distribuída entre os eléctrodos, também segue vários caminhos em torno das pregas vocais, de modo que apenas uma pequena parte do fluxo total de corrente é afectada por alterações no contacto das pregas vocais (Baken, 1987). O pescoço actua como um volume condutor, de modo que os pequenos fluxos de corrente eléctrica de alta frequência não vão directamente de um eléctrodo para outro, mas são distribuídos em várias direcções. Portanto, o electrolaringógrafo mede a impedância não só das pregas vocais, mas também das estruturas do pescoço próximas aos electrodos. Uma alteração em qualquer uma dessas estruturas será reflectida no sinal do EGG (Altuzarra & Martin, 1996; Baken, 1992). A posição dos eléctrodos também pode mudar durante a fonação devido aos movimentos da laringe. Se a posição relativa das pregas vocais se altera com a passagem da corrente, podem ocorrer variações do sinal electroglotográfico que não serão devidas ao movimento das pregas vocais (Altazurra & Martin, 1996; Baken, 1987; Baken, 1992). Também é bastante comum observar o batimento cardíaco no sinal do EGG, uma vez que variações na pressão arterial também podem afectar a condutância dos tecidos. Em suma, as variações de condutância causadas pela alteração do contacto das pregas vocais representam apenas 1% a 2% da variação total do sinal do EGG, mas podem ser isoladas graças à gama de frequências da fonação, que é muito superior a estas outras variações fisiológicas. Por fim, o muco faríngeo também pode levar a interpretações imprecisas das ondas. Se houver um filamento de muco, a corrente eléctrica passará por ele, e a forma de onda será calculada como se fossem as pregas vocais em contacto, provocando uma leitura incorrecta do contacto real das pregas vocais (Childers et al., 1986; Baken, 1987).
Apesar das limitações, o electroglotograma/electrolaringógrafo: (i) permite o estudo do contacto das pregas vocais sem incomodar as estruturas supraglóticas, ou seja, sem distorcer a voz; (ii) é não invasivo, o que o torna perfeito para o estudo da voz durante o canto; (iii) permite o estudo de grandes quantidades de dados, o que é ideal para o estudo da fonação durante a execução de repertório; (iv) e mede a área de contacto das pregas vocais, pelo que é possível detectar alterações fisiológicas nas pregas vocais.
Leituras adicionais:
- Abberton, E. & Fourcin, A. (1984). Electrolaryngography. In C. Code & M. Ball (Eds.) Experimental Clinical Phonetics. San Diego: Croom Helm Ltd.
- Abberton, E. R. M., Howard, D. M. & Fourcin, A. J. (1989). Laryngographic assessment of normal voice: a tutorial. Clinical Linguistics & Phonetics, 3: 281-296.
- Altuzarra, A. N. & Martin, R. E. S. (1996). Electrografia. In R. G.T. Urrutia & I. C. Marco (Eds.). Diagnostico Y Tratamiento de los Trastornos de la Voz. (pp. 163-176). Madrid: Editorial Garsi, S. A. Sociedad Española de Otorrinolaringología y Patología Cérvico-Facial.
- Baken, R. J. (1987). Clinical measurement of speech and voice. London: Taylor & Francis Ltd.
- Baken, R. J. (1992). Electroglottography. Journal of Voice, 6: 98-110.
- Baken, R. J. & Orlikoff, R.F. (2000). Clinical Measurement of Speech and Voice. 2nd Edition. San Diego: Singular Publishing Group.
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